A transformação

Na mesma madrugada de hoje finalmente coloquei no papel uma ideia de capítulo que há um tempo habitava o reino da minha mente, ele parece simples e esdrúxulo, e criticamente seria uma descrição cabível. Mas dentro dessa sua pouca importância e má qualidade encontra-se extremo valor, não só para personagens envolvidos mas também para mim.

Fraquejei, assim como os personagens envolvidos, várias vezes enquanto escrevia, senti o que sentiam, vi algo que simplesmente não posso explicar. A importância desse capítulo tornou-se colossal, e ele é um marco na história, mesmo que, acredito, poucos entenderiam isso caso a lessem por completo, assim como é um marco para mim. Não prolongarei onde as palavras não podem expressar, o capítulo auto-intitula-se Lorian.


Lorian


Ture caminhava na extremidade direita daquela avenida-alameda, seu ferimento não lhe incomodava e aquilo facilitava seu trajeto, precisava ser rápido. O crepúsculo batia nas árvores ali, as deixando em tom de laranja. Na leve inclinação da avenida, que até então parecia deserta, o filho único de Rauthar avistou, ao longe, uma garota, pequenina, e com o cabelo reluzindo ao fraco sol de inverno. Incidência solar esta da parte do dia que mais lhe agradava, e curiosamente da parte do dia que também mais agradava à garota. Não conseguia distinguir características precisas dela, mas sentira alguma coisa no ar, o clima pesado, a energia solene e triste. O vento soprou, como uma lâmina mortal, mas que, no fundo, ajudava, folhas voaram das árvores e uma delas bateu na cara austera de Ture, sem reação... Prosseguiu, apenas, e mesmo sentindo seu ferimento incomodar não diminuiu o ritmo.

Aproximava-se da garota que não saíra do lugar. Esta tinha uns onze, doze anos, seus cabelos louros batiam no meio de suas costas, tinha o rosto doce, gentil, os gestos delicados e uma expressão corporal inteligente. O rosto e os lábios eram belos e, assim como o nariz, finos, mas tudo aquilo somada à feição austera, preocupada e agonizante da garota davam-lhe a impressão de ser dois ou três anos mais velha.
Ela encarara o idealista por alguns momentos enquanto ele subia, mas desviou o olhar rapidamente quando as pupilas se chocaram, nenhum pensara nada sobre o outro e cessaram os pensamentos sobre si mesmos, as mentes se esvaziaram; Ture sentiu uma dor extremamente agonizante na perna, mas a ignorou e continuou andando, aproximou da garota, mas não ousava olhar em seus profundos olhos, encarava o chão, como se sentisse uma vergonha profunda, apertou suas mãos uma contra a outra, em forma de concha, ali concentrou tudo o que havia, ou restava, de bom em si, sem nem mesmo raciocinar no que acontecia. Estendeu as mesmas mãos.
A garota abriu suas mãos, o garoto apertou os olhos e soltou o que havia dentro de suas mãos, nenhum dos dois olharam o que havia ali, simplesmente fizeram o que não tinha coragem até então, entre olharam-se profundamente nos olhos por alguns segundos. Os olhos de Lorian encheram-se lágrimas e ele fraquejou, pela primeira vez em sua jornada, encarou-a pela última vez e continuou andando. A garota olhava-o se afastar, ambos imploravam a si mesmo “Pergunte seu nome! Pergunte seu nome!”. Mas nenhum o fez.
A garota abriu suas mãos e viu um cubo rodante, em sua cabeça ele dançava, era um cubo dançante, um cubo verde. Sorriu sinceramente pela primeira vez em uma eternidade incontável, também fraquejou, e encarou as costas do homem que passara, com muito esforço disse em voz tênue, baixa e trêmula um sincero “Obrigado”, virou-se e continuou seu caminho.

Os dois sentiam que nunca mais fossem se encontrar e nem ousaram olhar para trás. Ambos iam com a benção do outro, iam com o primeiro e último, carinhoso e divino, “Adeus”.

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